SÉRIE: EDUCAÇÃO EM YOGA on-line
por
Shri. Prashant Iyengar
11ª sessão, gravada em 09 de maio de 2020
Ramamani Iyengar Memorial Yoga Institute
Transcrição livre, traduzida por Bruna Paez, revisada por Katia Dacosta, ABIY.
Namaskar, todos vocês! Esta é, na verdade, uma continuação da última sessão. Vamos prosseguir a partir de alguns assuntos abordados anteriormente.
Primeiramente, estávamos discutindo o conteúdo do pensamento nos āsana-s: como podemos obter conteúdo do pensamento nos āsana-s? Em geral, o processo é fazer o āsana, ajustar corpo, mente, respiração… Isso nos proporcionará apenas uma experiência de um āsana bom, de um āsana adequado. Obteremos apenas uma experiência… Mas, onde está o conteúdo do pensamento?
Ao relegar o conteúdo do pensamento, na verdade, estamos perdendo um componente muito importante do āsana, que quero destacar hoje. Isso nos dará conteúdo do pensamento suficiente, ao contrário de apenas ir para um āsana e para uma experiência de quietude, placidez, equanimidade, equilíbrio, sublimidade…
Mais que buscar uma mera experiência, teremos que gerar conteúdo do pensamento. E para esse propósito, simplesmente ajustar o corpo, a mente e a respiração não é o suficiente. Precisamos introduzir um kriyā [ação, conjunto de práticas], um conceito tão importante em adhyātma.
Vāchika kriyā, o ato da fala
Em adhyātma, um ato “adhyātmico” é constituído por kāyā, vācha, manasa. Kāyā significa corpo, partes do corpo, órgãos do corpo, matéria do corpo. Em seguida, vem vācha, fala, e, então, manas [mente].
Em nossas instruções introdutórias, ajustamos e abordamos corpo, mente e respiração, e é dessa forma que estávamos buscando realizar um āsana [lições 1, 3]. No entanto, de acordo com adhyātma, vāchika kriyā é muito importante. Vāchika kriyā significa o ato da fala.
Normalmente, somente os professores usam o ato da fala quando conduzem as aulas, ensinam e dão instruções. Os alunos raramente estão no ato da fala. Na maioria das vezes, eles chegam calados, participam das aulas e depois dizem que participaram total e completamente.
Adhyātma analisa todos os atos, nos componentes do ato corporal, ato discursivo e ato mental — ato do corpo, ato da fala, ato da mente. Adhyātma busca classificar, até mesmo as nossas atividades, com base nos componentes do corpo, da fala e da mente. O ponto é que o componente da fala não está sendo considerado, embora seja um dos principais kriyā-s do āsana. O que isso significa? E como isso irá gerar conteúdo do pensamento? Como isso resultará em conteúdo do pensamento?
Enquanto estamos nos āsana-s, não se supõe que devemos considerar apenas as condições do corpo, da mente e da respiração. Sim, isso deve acontecer, não há nenhuma dúvida ou segunda opinião sobre isso. Mas, precisamos ter vāchika kriyā, ato discursivo. O que é esse ato discursivo? Este supõe que devemos ser comentadores enquanto fazemos os āsana-s.
Conhecemos nossos papéis como agentes, nossos papéis como fazedores nos āsana-s, nosso papel como receptores nos āsana-s. Recebemos estado, recebemos os benefícios, recebemos as dores quando a postura está errada. Recebemos equilíbrio, equanimidade, quando a postura está correta. Recebemos em uma postura. Portanto, somos fazedores, somos dispensadores, somos receptores… Mas, em se tratando de um ato “adhyātmico” está implícito que deve haver um ato discursivo. Então, quero que você desenvolva esse hábito.
Por exemplo, agora todos vocês façam um āsana. Como ilustração, tomemos Bharadvajāsana, que quase todos vocês podem fazer. Vá para Bharadvajāsana, seja no chão ou na cadeira.
Vāchika kriyā na prática
Agora, em Bharadvajāsana, comece o seu “fazer” na postura. Não se supõe que você seja apenas um fazedor da postura. Comece também a desenvolver, gradualmente, o hábito de comentar na postura. Como você não está habituado a fazê-lo, isso levará um tempo…
Faça um comentário contínuo sobre as interações do corpo-mente-respiração: o que você está fazendo, o que o corpo está fazendo, o que a respiração está fazendo, o que a mente está fazendo, o que eles fazem, quais são as suas interações… Deixe que tudo isso faça parte do seu comentário. Esse ato de comentar é muito importante.
Como eu disse, é um processo educativo. Em um processo educativo, precisamos ler e escrever. Não há educação sem leitura e escrita. Aqui, devemos começar a comentar — ações, respostas, quaisquer resistências, assistências, participações, qualquer evolução… Como acontece nos esportes, onde há comentadores fazendo comentários constantes. Da mesma forma, devemos desenvolver esse hábito de fazer esses comentários: o que o corpo faz? O que a respiração faz? O que a mente faz? O que a inspiração e a expiração fazem? O que os sentidos fazem? O que os membros fazem? O que os órgãos do corpo e da mente fazem? O comentário deve circunscrever e abordar todos esses fatores.
Em Bharadvajāsana, mude os lados por conta própria.
Não faça [os comentários] só advertidamente, porque, do contrário, sabemos que fazer algo advertidamente nos trará algum mérito. É claro que você deve fazer isso com consciência, com sensitividade, observação… mas, para além e acima de tudo isso, também compreenda o seu papel como comentador.
Comece a fazer comentários: o que os braços fazem? Para quê o fazem? O que as costas fazem? Para quê o fazem? O que a coluna vertebral faz? Para quê o faz? O que o abdômen, a pelve e o peito fazem? O que é feito?
Fazedor, fazer e o que é feito, como eu disse [lição 3], devem fazer parte dos seus comentários. Os comentários devem descrever e articular corpo-mente-respiração; fazedor, fazer e o que é feito, mutuamente fazendo um pelo outro; você fazendo e você sendo feito… Isso deve começar a fazer parte dos seus comentários. O que significa que você deve ler a sua dinâmica, que você começará a ler seu corpo, mente, respiração; corpo-mente-respiração associados; corpo-mente-respiração fazendo.
Então, em Bharadvajāsana, não faça só advertidamente, nem só sensitivamente, nem só cognitivamente, nem só conativamente… mas observe que há um ato de comentar. Você terá que desenvolver esse hábito. Você pode fazer uma pausa, se necessário, pois não está acostumado a comentar continuamente sobre sua própria postura, seu próprio esforço. Queremos fazer [o āsana] de forma atenta, vigilante, com sensitividade, com atenção, mas além disso, devemos desenvolver essa aptidão de comentar silenciosamente. É um comentário silencioso. Nada escapará ao seu comentário. Se nada escapa ao seu comentário, nada escapa à sua observação. Comentar também vai melhorar a sua [capacidade de] observação, porque você precisa observar para poder comentar.
Assim, observe o que a respiração faz: processo de exalação, processo de inalação, exalação normal, exalação mais profunda, inalação normal, inalação mais profunda, inalação profunda, exalação profunda, exalação mais acentuada, inalação mais acentuada, exalação rarefeita, inalação rarefeita, retenção após a exalação (quando possível), retenção, Uḍḍīyana mudrā…
Vocês terão que incluir tudo isso em seus comentários. Com o tempo, vocês se tornarão melhores comentadores das suas dinâmicas. Ao comentar, você irá cristalizar certos conceitos, noções, ideias… Porque, tendo percebido algo, você não pode dizer que não houve um pensamento; tendo ouvido algo, não pode dizer que não houve pensamento; quando sentiu ou experimentou algo, não pode dizer que nenhum pensamento foi gerado. Tudo isso produzirá pensamento, mas isso tudo necessita ser cristalizado.
Quando você circunscreve corpo, mente, respiração — suas ações, reações, respostas, participações; sua ação, sua participação, seu envolvimento, suas respostas, suas reações; quando você começar a articulá-los através do ato de comentar, tudo isso será verbalizado, o que te ajudará a cristalizar todos esses estados e experiências, pois tiveram que ser verbalizados. É por essa razão que vāchika kriyā é tão importante e nós o perdemos no yoga ultramoderno, no yoga de consumo.
O yoga de consumo só pensa em aperfeiçoar o corpo e a mente. E isso é tudo.
Não há processo de conhecimento.
No processo do conhecimento, no processo educativo, precisamos ter a cristalização de conceitos, noções, ideias… E quando você os verbaliza por meio do ato de comentar, esses aspectos serão cristalizados. Haverá ideações e isso é conteúdo do pensamento e, então, você perceberá que existe abundante conteúdo do pensamento.
Em seu Bharadvajāsana, você pode ir para a abordagem do corpo e, em seguida, comentar sobre esse processo: como está a abordagem do corpo? Quais são as dinâmicas da abordagem do corpo? O que corpo-mente-respiração associados fazem pela abordagem do corpo? Mais do que apenas realizado, isso será cristalizado. Se você apenas fizer, você obterá, mas comece a comentar e você reunirá conteúdo do pensamento.
Em seguida, vá para a abordagem da respiração: observe como corpo, mente e respiração abordarão a respiração e o respirar. E qual será o efeito disso? Qual será o processo disso? A consequência disso? O ato de comentar o ajudará a cristalizar isso. Eles serão verbalizados, eles se tornarão ideias, noções, conceitos.
Quando há abordagem da mente, o que corpo, mente e respiração fazem pela mente? Este ato de comentar abrirá o aspecto da literacia no yoga.
Yoga não é apenas para ser feito.
Você deve ser letrado em yoga. Você deve ser letrado em sua corporeidade.
Dessa forma, o yoga lhe dará literacia da sua corporeidade, literacia das dinâmicas do yoga e literacia sobre o próprio yoga. Esse ato de comentar vai te ajudar a desenvolver, cristalizar várias ideias, noções, conceitos, preceitos e eles se tornarão conteúdo do pensamento. Quando há conteúdo do pensamento, há um pensar, há um pensador e, então, você pode partir para a atividade meditativa. Portanto, a matéria-prima mais importante para a atividade meditativa no āsana é vāchika kriyā, o ato da fala.
Procure continuar com isso em seu Bharadvajāsana. Passe pelas várias fases do āsana: (1) fazer, permanecer, manter, intensidade, penetração, liberdade, se estabilizar. Observe que o ato de comentar vai te ajudar na cristalização de tudo isso. Mais que atravessar essas fases, você irá cristalizá-las. E, também: (2) fazer, aprender, estudar, observar, experimentar, ter um processo de pensamento — análise, síntese, deliberação, reflexão.
O ato de comentar também produzirá a cristalização dos pensamentos. Somente quando os pensamentos estiverem bem cristalizados você poderá ir para a atividade meditativa. Se os pensamentos não estiverem bem cristalizados, você nunca poderá ir para a “meditatividade” em torno do pensamento. A cristalização é importante e o ato de comentar o ajudará a desenvolvê-la.
O “yoga pop” negligenciou completamente esse aspecto. Em nenhum lugar você recebe instruções sobre o ato da fala, o vāchika kriyā, esse ato de comentar. Vocês devem se tornar bons comentadores do yoga. Dessa forma, vocês também se tornarão eloqüentes em yoga, letrados em yoga. Vāchika kriyā é tão importante que produzirá considerável conteúdo do pensamento e a busca pela “meditatividade” será facilitada.
Isso foi um pouco do tópico que discutimos ontem. Gostaria agora de voltar a outro ponto que introduzi no final da última sessão.
Yogaḥ cittavṛtti nirodhaḥ
Falei sobre cittavṛtti nirodhaḥ yogaḥ, que é a definição de yoga [YS, I.2 — o yoga é o controle ou a restrição das flutuações, dos movimentos da mente]. Eu disse que [esta restrição] não diz respeito aos cittavṛtti-s que você experimenta agora no seu estado de vigília. O yoga não restringe esses vṛtti-s do estado de vigília… Restringi-los não é, em realidade, yoga essencial.
Eu disse que esses vṛtti-s [que devemos restringir] concernem o plano interno. Todos esses vṛtti-s que você talvez tenha entendido — pramāṇa, viparyaya, vikalpa, nidra, smrti, referem-se a uma experiência no estado de vigília; [são] objetos do estado de vigília.
Pramāṇa, a cognição, se refere a um objeto externo a nós. O conhecimento válido da cognição (pramāṇa) diz respeito a um objeto externo a nós. As ilusões (viparyaya) se referem a objetos externos a nós. Podemos ter ilusões que dizem respeito a objetos externos a nós. O mesmo vale para vikalpa, delusão verbal [fantasia]. Todos os exemplos com os quais você se depara nos livros de yoga se referem ao plano externo.
Pramāṇa, viparyaya, vikalpa, nidra, smrti [YS, I.6]… Tudo isso se refere ao estado de vigília. E, como eu disse, se a mente tem que ser restringida, então a melhor maneira é cair num sono profundo sem sonhos, ter um bom sono. Logo, é um esquema abrangente a restrição de todos esses mano vṛtti-s.
A definição não é mano vṛtti nirodha yogaḥ, mas cittavṛtti nirodha yogaḥ. Esses são todos mano vṛtti-s: cognição, percepção direta, inferência, testemunho, ilusão, delusão verbal, nidra [sono], smrti [memória]… Tudo isso acontece no plano psicológico, no plano psico-mental. São vṛtti-s que se manifestam no cérebro. São todos vṛtti-s psico-mentais. Yoga não está falando sobre a restrição destes vṛtti-s.
É uma lógica simples: Você quer restringir sua mente e ir para o yoga ou ir para o yoga e restringir a sua mente? Você quer ir para o yoga e restringir sua mente, em vez de restringir sua mente e depois ir para o yoga, porque [ao ir para o yoga,] o yoga restringe a sua mente… Para nós, yoga é um meio de restringir a nossa mente. Quando você vai para o yoga significa que você deve estar em yoga para que possa restringir a sua mente!
A definição [do sūtra] se refere a isso: você deve estar em yoga para que essa restrição, que acontece ao estar em yoga e da qual estamos falando aqui, possa ocorrer. [A definição do sūtra] não se refere às modulações mentais [existentes] antes de ter ido para o yoga ou até mesmo sem ter ido para o yoga. Esses são vṛtti-s do plano interno, não do plano externo. Não é a percepção do plano externo que deve ser restringida — isso acontece quando você está num sono profundo. A ilusão será restringida quando você estiver dormindo. A delusão verbal será restringida quando você estiver dormindo. Esses vṛtti-s psico-mentais serão restringidos ao dormir.
Quando você entra no yoga, você entra num mundo interno que, na verdade, é um universo interno, é um microcosmo, é um universo interior.
Nós temos apenas o mundo fora de nós.
Nós temos um universo dentro de nós.
Entramos num universo interno quando começamos a fazer yoga e, então, a restrição que acontecerá aí será uma restrição singular. É por essa razão que é cittavṛtti nirodhaḥ, e não mano vṛtti nirodhaḥ. Mas todas as traduções dirão que “yoga é restrição mental”, porque não há uma tradução adequada para citta. A palavra mais apropriada, neste dado momento, seria “substância mental, a totalidade da mente”.
A mente é um aspecto periférico, é a ponta do iceberg. Citta é todo o iceberg. O quanto do iceberg está submerso no oceano e o quanto do iceberg está sobre a superfície do oceano? O que chamamos de “ponta do iceberg” é a parte nominal e minúscula sobre a superfície do oceano, enquanto que o enorme iceberg está embaixo da água.
A mente psicológica, mental é algo que se refere à ponta da mente; não é bem a mente, é a ponta do nosso conteúdo mental. A citta subjacente é enorme. Cittavṛtti nirodhaḥ significa a restrição de todo o conteúdo mental, não apenas a restrição da ponta do iceberg de citta.
Então, há uma grande diferença entre mente e citta. Deixe-me tentar explicar isso com um exemplo:
Veja, nós experimentamos diferentes condições climáticas. No verão, as temperaturas sobem para 40-45 °C, na Índia. No inverno, caem e chegam a 10, 8, 7 °C… Há uma diferença muito grande entre as temperaturas mínimas no inverno e as máximas no verão, não é? Nós sabemos quanta diferença há entre a temperatura mínima do inverno e a temperatura máxima do verão. É uma diferença muito, muito grande…
Os oceanógrafos dizem que se a temperatura média do oceano subir um grau, todos nós seremos reduzidos a cinzas. Toda a vida, toda a manifestação no planeta, na terra, será reduzida a cinzas se a temperatura média do oceano subir um grau. E se a temperatura média do oceano baixar um grau, toda a criação do planeta Terra, terrestre ou aquática, desaparecerá. A queda de apenas um grau da temperatura média do oceano pode afetar o congelamento do resto do planeta! O oceano não congelaria por causa de um grau a menos, mas tudo o mais congelaria. Uma diferença de apenas um grau a mais ou a menos na temperatura média do oceano pode criar uma devastação total. Embora a temperatura no planeta possa subir e descer em uma faixa de 20 a 50 °C, isso não acontece com a temperatura média do oceano. A mudança de um grau na temperatura média do oceano é algo grandioso.
Citta é como o oceano; a mente é como a superfície terrestre. Às vezes, a mente raivosa entra em ebulição; às vezes, a mente congela. A mente pode congelar, a mente pode ferver… Isso não acontece com o oceano. Ele não ferve ou congela, mas apenas um grau para cima ou para baixo [na sua temperatura média] pode causar uma mudança total no planeta, nenhuma vida sobreviverá. Citta é como o oceano da mente. Pequenos altos e baixos aqui e ali, realmente não criam grande turbulência na totalidade da mente, na substância mental. A mente pode tomar uma sacudida, pode se agitar… Mas a substância mental é como o oceano. E yoga fala de cittavṛtti nirodhaḥ, não de mano vṛtti nirodhaḥ. [Patañjali] não se refere à mente psicológica, empírica, temporal, mas à citta.
No plano interno, temos certos tipos de vṛtti-s. Esses vṛtti-s têm que ser identificados e à medida que o seu yoga evolui na direção de um āsana quintessencial, de um prāṇāyāma quintessencial, haverá uma restrição enorme e significativa [destes vṛtti-s] no plano interno.
No yoga, uma vez que você atravessa o portal dos āsana-s, do prāṇāyāma, você chega no plano interno e, então, poderá restringir os vṛtti-s do plano interno. Devemos estar cientes desses vṛtti-s. O que são esses vṛtti-s? Os vṛtti-s no plano interno são totalmente diferentes.
Darei outro exemplo: suponha que você esteja com raiva de alguém. Como isso se manifesta? Você pode ficar com raiva de quem você gosta ou de quem você não gosta. Você sabe como a raiva se manifesta de maneiras diferentes com pessoas conhecidas ou desconhecidas… Você pode ficar com raiva de pessoas conhecidas, desconhecidas, amigos e parentes, pessoas estranhas a você, pessoas relacionadas a você, seus amigos, seus aliados, seus inimigos… A raiva se manifesta de forma diferente.
Por um lado, veja como é essa raiva: você está com raiva de alguém, você está com raiva por causa de alguém, você deposita sua raiva em alguém. Como está a raiva? Por outro lado, se você está com raiva de si mesmo, qual é a diferença entre a manifestação da raiva quando você está com raiva de você? É uma manifestação diferente da raiva.
Da mesma forma aqui, pratyakṣa–anumāna–āgamāḥ, pramāṇa, viparyaya, vikalpa [Y.S., I.8 e I.6] com referência ao plano externo é um tipo de manifestação, função, processo, consequência. Quaisquer que sejam os vṛtti-s que possam surgir no plano interno, eles são diferentes. Devemos começar a identificar estes vṛtti-s: como eles são? O que são? O que é pramāṇa [a percepção válida] aí? O que é pramāṇa vṛtti nesse plano interno?
Não é como no plano externo. “Isso é uma rosa e eu sou o conhecedor dessa rosa”: essa é uma percepção válida. A rosa é um objeto externo a você. Mas, no plano interno, os cittavṛtti-s são diferentes; você não tem um objeto [externo] para o vṛtti ser formulado. São vṛtti-s internos. Onde está pramāṇa no plano interno? Onde está qualquer viparyaya no plano interno? Onde está vikalpa no plano interno? E onde está nidra e smrti no plano interno? Esses cittavṛtti-s são totalmente diferentes e esses cittavṛtti-s podem ser restringidos até mesmo em seu processo de fazer āsana-s. Isso dependerá do seu grau de proficiência. Menos proficiente, imagine quais vṛtti-s você irá restringir. Se você for mais proficiente, quais vṛtti-s você restringirá?
Portanto, o yoga fala em restringir esses vṛtti-s, não os vṛtti-s do estado de vigília. Porque, basicamente, você está no plano interno [no yoga], lidando com objetos e sujeitos internos. Você, o que é seu e o que está em você são tanto os objetos, como os instrumentos e a própria entidade subjetiva. Em qualquer cittavṛtti externo, há uma entidade subjetiva, uma entidade objetiva e uma entidade instrumental. Os três juntos ajudam a produzir algum vṛtti da natureza de pramāṇa, viparyaya, vikalpa, nidra, smrti.
No plano interno, entenda esta condiçao única: você, o que é seu e o que está em você se manifestam na forma de entidade objetiva dos vṛtti-s, na forma de entidade subjetiva dos vṛtti-s e na forma de entidade instrumental dos vṛtti-s. É por isso que precisamos nos familiarizar com esse mundo dos vṛtti-s dentro de nós. Estamos familiarizados com o mundo dos vṛtti-s fora de nós. Agora é necessário nos tornarmos atentos ao mundo dos vṛtti-s dentro de nós e ver como o yoga os restringirá, dependendo de nosso calibre, proficiência e profundidade de penetração.
Essa noção de profundidade é muito importante. Se houver essa profundidade, a restrição alcançará o plano interno, o mais profundo. Caso contrário, se limitará à periferia. Todos esses fatores vão gerar diferentes tipos de cittavṛtti-s: a abordagem do corpo, da respiração e da mente; (1) fazer, permanecer, manter, se estabelecer e se interiorizar prontamente; (2) fazer, aprender, estudar, experimentar, se estabelecer, se interiorizar.
Todos esses serão diferentes vṛtti-s. Para cada fase, busque identificar os vṛtti-s no plano interno. Quais são os vṛtti-s na fase do fazer? Quais são os vṛtti-s na fase do permanecer? Haverá diferenças. Vṛtti-s de fazer, permanecer, manter, penetrar. Vṛtti-s de eficácia, de estabilização, de absorção… Da mesma forma, fazer, aprender, estudar, entender, analisar, compreender, experimentar, observar, se estabelecer e, então, prosseguir para a absorção.
Portanto, esses serão diferentes vṛtti-s. E esses vṛtti-s são restringidos no processo dos āsana-s, você entende? É um plano único de objeto, sujeito, instrumento; é um tema que entra na esfera da objetividade, da instrumentalidade, da subjetividade.
É um mundo diferente dos vṛtti-s… um mundo muito fascinante! Quando você passa por esse portal, quando passa por esse portão externo, você adentra esse portal. É um tema fascinante para analisar, compreender e para iniciar sobre ele um processo de pensamento. E o ato de comentar é muito importante, porque te ajudará a cristalizar todo esse material e isso lhe dará um imenso conteúdo do pensamento, conteúdo adequado para a “meditatividade”.
Ontem, mencionei de passagem que cittavṛtti nirodhaḥ não se refere aos vṛtti-s do plano externo, mas aos vṛtti-s do plano interno. E é isso que é yoga. E esse é o aspecto mais essencial do yoga, o qual não está presente no período de preparação que antecedo o yoga.
Durante esse período, você acalma a mente, pois se a mente está turbulenta, angustiada, perturbada, você terá que administrar esse estado estado, buscando regular, restringir ou administrar a mente psicomental. Até que isso aconteça, você não poderá alcançar o portal do yoga, o portão externo do yoga. Mas, tendo adentrado esse portão externo… haverá tantos recintos! Cada recinto terá diferentes portões e diferentes planos de vṛtti-s.
Entenda como a definição de yoga deve ser compreendida. Restringir essa mente atormentada não é yoga. Existem tantas maneiras de fazer isso, como tomar pílulas energéticas, analgésicos ou qualquer tipo de droga para superar as dores no corpo, a agonia da mente… Um psiquiatra pode lhe receitar algumas drogas. Por que você precisaria, então, de meios como o yoga? Isso terá que ser administrado durante o período de preparação que antecedo o yoga.
No yoga essencial, a administração ou restrição dos cittavṛtti-s será diferente. Isso é o que eu queria explorar ontem, quando mencionei cittavṛtti, cittavṛtti nirodhaḥ e disse que os vṛtti-s no plano interno eram diferentes.
Isso é o suficiente por hoje. Muito obrigado! Namaskar!