SÉRIE: EDUCAÇÃO EM YOGA on-line
por
Shri. Prashant Iyengar
14ª sessão, gravada em 17 de maio de 2020
Ramamani Iyengar Memorial Yoga Institute
Transcrição livre, traduzida por Bruna Paez, revisada por Katia Dacosta, ABIY.
Namaskar para esta nova sessão. Nas últimas duas sessões discutimos dhyāna que não é da natureza da meditação. E é tão importante que existam dhyāna-s não meditativos, porque a meditação não está ao alcance de todos. Por isso, é importante ter esse tipo de dhyāna, que não implica qualquer “meditatividade” ou meditação propriamente dita, mas que, ainda assim, é dhyāna. Essa é a magnanimidade do adhyātma śāstra.
Tipos de dhyāna
Vimos que existem dois tipos de dhyāna-s. Um é elevar a mente que está num nível sub-normal ao nível normal, à normalidade, de modo a ficarmos mais estáveis em meio ao tumulto e à turbulência das nossas mentes. Isso pode ocorrer por diversas medidas: um processo de pensamento, algum aconselhamento, conversação, companhia ou associação com alguém, o que, filosoficamente, significa satsang, śāstra-sang… O outro tipo de meditação é levar a mente que está num plano normal a um nível mais elevado.
Agora, Patãnjali menciona uma terceira meditação, a meditação de aṣṭāṅga yoga, que é dhyāna na forma de meditação. Isso requer qualificação. E certamente há “meditatividade”, meditação, como um componente desse dhyāna. Esse é o terceiro dhyāna. Isso vem no esquema aṣṭāṅga, o qual não abordaremos agora. Prāṇāyāma é a porta de entrada para esse dhyāna. Aṣṭāṅga dhyāna tem origem e raízes em prāṇāyāma e é lançado a partir dele. Visto que ainda não discutimos prāṇāyāma, não estamos qualificados para discutir esse tipo de dhyāna, aṣṭāṅga dhyāna, que é descrito como pratyaya ekatānatā [fluxo de atenção ininterrupto a um objeto — YS, III.2], onde a cognição, ou a percepção do pensamento, não muda. Há um fluxo de um padrão de pensamento idêntico nesse dhyāna, que só pode ser possível para um iogue, e não para pessoas comuns como você e eu. Esse é o terceiro tipo de dhyāna mencionado por Patãnjali.
Os dois tipos de dhyāna que eu mencionei, que não requerem nenhuma qualificação, são acessíveis a qualquer pessoa dotada de habilidade, capacidade, competência, “massa consciente” (“consciousness matter”) para lidar com eles. Seus propósitos são levar a mente de um nível inferior a um nível normal e de um nível normal a um nível um pouco acima do normal. E isso é muito importante principalmente para um aspecto dentro de nós, o chamado [sūkṣma śārīra], o corpo sutil, corpo astral, e kāraṇa śārīra, o corpo causal. Nós não cuidamos deles de forma alguma. Particularmente no yoga moderno, no yoga ultramoderno, nos preocupamos apenas com o corpóreo. Devemos viver bem, queremos yoga para o nosso bem-estar, para o bem-estar do corpo, do corpo físico e da mente psicológica, do corpo e mente fenomenais [relativos aos fenômenos perceptíveis, aparentes]. Não buscamos entender o que subjaz a esse corpo e o que subjaz à mente. Não cuidamos desses aspectos. Isso não é o que se defende em adhyātma, ou o que você chama de espiritualidade, ou yoga.
Dhyāna, japa e o corpo sutil
Fiz referência ao corpo sutil e ao corpo causal. O corpo sutil é atendido, em todas as suas necessidades essenciais, por meio de japa, que é uma forma de dhyāna, que é chamado de dhyāna. O próprio japa é dhyāna.
A definição no Śrīmad-Bhāgavatam Purāṇa: japo dhyānam. Japa… Japa de quê? Japa de nāma, da divindade, Deus, deidade pessoal, ou pensamento sobre Deus, pensamento sobre a deidade pessoal, sobre o venerado, o mais venerado. Isso é dhyāna, suficiente para atender a todas as necessidades do corpo sutil, que discutimos na última lição e que não repetirei hoje.
Deixe-me tentar lhe explicar este conceito de corpo sutil: suponha que você veja uma árvore — uma mangueira ou um coqueiro, e você queira ter essa árvore no seu quintal. Você não arranca a árvore de onde ela está e, em seguida, a planta na sua casa. Como você faz? Você procurar obter uma semente dessa árvore, seja de um comerciante de sementes, de um botânico ou de um horticultor. Você pega a semente, planta a semente e obtém essa árvore. Você pode plantar um coqueiro a partir de uma semente de um vendedor de sementes. Ao plantar a semente, você terá o coqueiro em sua casa.
O que é essa semente? A semente contém a árvore inteira. Todos os aspectos da árvore, da raiz ao broto, ao tronco, às cascas, galhos, folhas, flores, frutos… A semente contém tudo isso. Está tudo encapsulado, capturado. A árvore inteira está contida na semente, por isso é chamada semente. Diferente de uma árvore, a semente pode ser facilmente transportada.
Sūkṣma śārīra é aquele que contém todas as sementes da matéria do corpo e da mente. Adhyātma revela que viajamos em todas as 8,4 milhões de espécies de vida e, então, chegamos à manifestação humana. Passaremos por 8,4 milhões de espécies de vida quando encarnarmos novamente como humanos. Passaremos por vários modos de vida, espécies, formas de vida, desde as mais diminutas e microscópicas a qualquer outro tipo de vida — animais, gado, pássaros, répteis, vida aquática, vida vegetal, vida botânica etc.
Nós contemos todas as sementes de todas as formas de vida. Como viemos de 8,4 milhões de formas de vida, já contemos todas as sementes de todas essas manifestações, que se tornaram latentes, para que pudéssemos nos materializar como seres humanos. Todas elas existem de forma latente dentro de nós. Conforme sejam necessárias numa manifestação ou encarnação futura, essas sementes já estão dentro de nós.
O corpo sutil é tão sutil que tudo é reduzido à condição numenal [essencial; sem forma física], como uma semente que contém toda a árvore. É claro que a semente não é uma entidade microscópica, ela pode ser vista, é visível, tangível, tem dimensões… No entanto, a enorme árvore pode ser reduzida a uma semente e talvez às partículas de sementes dentro dela. Cada partícula de semente conterá toda a árvore. Isso é fenomenal [aparente; possui forma física], porque você pode ver a semente. É um objeto tangível, que possui dimensões físicas, tem formas, tem cor… Em uma extensão numenal, invisível até para os mais variados microscópios, o corpo sutil possui todas as sementes. Carregamos tudo isso quando transmigramos. O corpo sutil é o corpo de transmigração; possui movimentos escatológicos. Deixamos nossos invólucros aqui, mas carregamos o corpo sutil aonde quer que formos.
Veja, um santo místico revelou algo muito interessante. Todos nós afirmamos que somos seres humanos, mas nós contemos, potencialmente, todas as 8,4 [milhões] de espécies de vida dentro de nós. Potencialmente, podemos nos tornar formigas, répteis, insetos, pássaros, animais, feras ou vida botânica. Podemos nos tornar tudo isso por causa de nossos karma-s. Carregamos e contemos a infraestrutura de tudo isso conosco. Fomos formigas em encarnações passadas. Essas impressões estão dentro de nós. Fomos gatos, cachorros, elefantes, tigres, cobras, crocodilos em nossas encarnações anteriores… Eles estão todos aí: todas as impressões, todos os vāsanā-s, todas aquelas psiques estão contidas no ser humano. O ser humano não é apenas um ser humano, pois o ser humano já passou por todas essas espécies de vida. Elas agora estão latentes, mas ainda estão potencialmente presentes, porque podemos nos dirigir novamente a essas manifestações nas vidas futuras. Portanto, o ser humano não é um ser humano. O ser humano contém todas as formas de vida de 8,4 milhões espécies.
Esse é o corpo mais sutil em forma de semente. Todas essas coisas estão na forma de sementes. Como hoje, por exemplo, que você conhece a microfilmagem que acontece por meio de um chip. O conteúdo do chip pode ser enorme, ainda que sua dimensão seja a de apenas um chip. A microfilmagem e a tecnologia digital têm desenvolvido chips e outros materiais com uma capacidade de armazenamento enorme. De forma similar, essa tecnologia está presente em nossa vida, no planeta, e nós podemos conter tudo isso. Assim é o corpo sutil. Todas as sementes, toda a infraestrutura de todos os tipos de espécies de vida estão disponíveis nele. Ele transmigra e é invisível. É menor que um nano. Quem sabe até poderia ser chamado de ultra nano, porque não pode ser visto nem mesmo por um microscópio eletrônico. Assim é o nosso corpo mais sutil. E adhyātma, ou as chamadas práticas espirituais, também cuidam desse corpo.
Você quer mantê-las famintas, essas que são uma parte tão importante de você? Você não pode negligenciar aquilo que faz parte de você. Qual é a forma de cuidar de todas essas coisas? Sabemos cuidar do nosso corpo, porque pensamos que somos um corpo de carne, músculos e ossos… Adhyātma cuida de todas essas coisas e, para isso, existe dhyāna. Elas recebem tudo o que precisam através desse único canal. Esse é o corpo sutil, que é também chamado de corpo eletrônico pelos comentaristas modernos, porque possui todos os tipos de circuitos — circuitos para se tornar um cão, um gato, um cavalo, leão, tigre, crocodilo, peixe ou mesmo uma planta, uma árvore… É por isso que ele é chamado de corpo eletrônico, porque tem todos os circuitos, pode se manifestar. O esquema de adhyātma cuida de tudo isso.
Samādhi, suṣupti e o corpo causal
O corpo causal é atendido por meio de samādhi. Se o corpo sutil é atendido por meio de japa, o corpo causal é atendido por samādhi. Mas, quando não estamos qualificados para samādhi, não vamos para samādhi, somos incapazes de ir para samādhi, o que acontece com o corpo causal? Novamente, algo já foi pensado. Se não obtivermos samādhi, se não formos a samādhi em toda a nossa vida, ainda assim, podemos ir a um estado semelhante a samādhi.
Quando vamos para esse estado de consciência, o corpo causal, kāraṇa śārīra, é atendido. Kāraṇa śārīra é servido, atendido, cuidado por samādhi. Para os que não estão qualificados para samādhi, há um estado de consciência que todos nós podemos obter e, dessa forma, kāraṇa śārīra será cuidado. Que estado é esse?
Há uma citação maravilhosa que vem nas Upaniṣad-s:
samādhi suṣupti mokṣeṣu brahmarūpatā
[A forma (estado) de Brahman se dá em samādhi, no sono profundo e na liberação (1)]
Este samādhi e suṣupti, que é o sono [sem sonhos], são igualados. Há semelhanças entre a liberação, o estado liberto [mokṣa], o estado de samādhi e o estado dormente. E todos nós estamos qualificados para o estado dormente; todos nós obtemos esse estado. Quando obtido, o aspecto da consciência que contém a matéria do corpo causal é cuidado. Então, só precisamos ir dormir, ter um sono regular e profundo e isso cuidará do corpo causal.
O corpo causal é fendido por nossa identidade — “eu sou assim e assado”. E nesse estado de dormência, essas fendas não existem e, portanto, ele consegue o que quer. A sua identidade deve ser separada da sua consciência e, então, essa consciência obterá toda a nutrição ou, quaisquer que sejam as suas necessidades, apenas pelo fato de você ir dormir. Ao ir dormir, o corpo causal será nutrido, será alimentado, servido, limpo, lavado, exercitado… Terá atendida qualquer necessidade que possua. Se você puder ir para samādhi, fará provisão extra para ele.
O corpo causal obtém esses cuidados na liberação [mokṣa], em samādhi, e também em suṣupti. A provisão desses cuidados é algo que já existe na natureza. Dessa forma, gostaria que você tivesse um pouco mais de informação sobre esses três corpos: grosseiro, sutil e causal.
As três dimensões da nossa corporalidade: ādhibhautik, ādhyātmik, ādhidaivik
Eu também disse sobre as três dimensões da nossa corporalidade, abordados pelo adhyātma como: o aspecto “ādhibhautiko”, o aspecto “ādhyātmiko” e o aspecto “ādhidaiviko”.
Os aspectos “ādhidaivikos” e “ādhyātmikos” não são atendidos pelas nossas atividades cotidianas da vida. A vida cotidiana toma conta apenas da nossa manifestação grosseira. Mas, o que constitui a nossa corporalidade fenomenal é “ādhidaiviko”. Somos manifestações sob a forma “ādhibhautika”, constituídos por forças “ādhidaivikas”. Essas forças constituintes é o que nos constitui. Somos constituições. As forças “ādhidaivikas”, as forças celestes, são constituintes. E os aspectos “ādhyātmikos” são o substrato.
- Ādhidaivik: as forças celestes, os constituintes da nossa corporalidade fenomenal
- Ādhibhautik: nossa manifestação, constituição
- Ādhyātmik: o substrato [essência]
No esquema de adhyātma, a chamada espiritualidade, os três são considerados. E dhyāna, como discutimos, cuidará desses aspectos, os quais a mundanidade da vida, as atividades cotidianas da vida, nossa personalidade e tendências pessoais não levam em consideração. Esses processos de dhyāna, que discutimos nas últimas duas sessões, também levarão em conta os aspectos “ādhidaivikos”, “ādhyātmikos” e até mesmo “ādhibhautikos”.
Dimensão “ādhibhautika”
O que é ādhibhautik? “Física”, no vernáculo, se chama bhautik. A física inteira lida com matéria elemental. Os cinco elementos básicos da natureza, do universo são: pṛthivī (terra), ap (água), tej (fogo), vāyu (ar), ākāsha (éter, espaço). Dentro da nossa corporalidade, temos a constituição “ādhibhautika” da matéria. Para compreender qual é a diferença entre bhautik e ādhibhautik, vou lhe dar algumas ilustrações muito interessantes.
Quando você faz um exame de sangue, por exemplo, e descobre que tem uma deficiência de ferro, isso não quer dizer que para aumentar a quantidade de ferro no sangue, você deva engolir um prego. Esse ferro dentro do corpo não é o mesmo ferro presente no metal. O ferro não pode ir na forma de metal para o sangue, para as substâncias do corpo, para a química do corpo. Ele tem uma manifestação única como ferro. Ainda assim, ele é chamado de ferro na bioquímica. Essa forma do ferro dentro de nós é chamada de ādhibhautik. O ferro que precisamos ingerir não é o ferro bhautik, é o ferro “ādhibhautiko”.
Outro exemplo: todo ser vivo possui uma temperatura. Isso é um sinal de vivacidade em qualquer corpo vivo. Se não há temperatura, dizemos que está morto. Agora, sabemos que existe o fogo gástrico. Como é esse fogo gástrico? É uma chama acesa dentro da nossa barriga digerindo a comida que ingerimos? O fogo não está na forma de uma chama, como o fogo físico. Conhecemos esse fogo físico na forma de chama. Nós não temos o fogo nessa forma. O fogo se manifesta de forma diferente dentro da nossa corporalidade. Todos os animais, todas as criaturas vivas possuem temperatura. Como isso é obtido? Existe uma espécie de chama, pequena ou grande, dentro de nós? Não, o fogo vem de uma maneira diferente…
O corpo contém terra. Como você vê o elemento terra lá fora? Na forma de pó, na forma de areia, na forma de cascalho, pedras, pedregulhos… Isso significa que essas pedras estão no nosso corpo? Que há esse tipo de areia no nosso corpo? O elemento terra se manifesta de forma diferente dentro da nossa corporalidade, que é chamada de ādhibhautik. Por isso, a terra também é chamada dessa forma. Não é a terra “bhautika”, não é a terra física; é a terra “ādhibhautika”, para a qual não há tradução em outra língua — o que é uma pena.
Da mesma maneira, temos ar, vāyu, em nosso corpo. Não é um [vento] soprando aqui e ali. Em que forma ele está na nossa corporalidade? Numa forma diferente, não na forma que você o vê lá fora, o ar soprando, as funções do ar que você pode ver, o que o elemento ar faz no âmbito físico… A forma como ele se manifesta dentro de nós é ādhibhautik vāyu, o que faz com que os nossos movimentos sejam possíveis. Para que o corpo seja animado, os movimentos devem ser possíveis, deve haver movimento no corpo.
Dimensão “ādhidaivika”
[Como mencionei na última lição, o panteão hindu diz que existem 330 milhões de deidades], mas não são exatamente 330 milhões. São, basicamente, 33. Devido aos seus poderes serem tantos e tão grandiosos, são quantificadas em termos de milhões. Mas não se trata do número propriamente dito. O número é 33. O que são esses 33? Para isso, temos que estudar o ādhidaivika śāstra, daiva śāstra, daivik śāstra. Esses 33 são classes de deidades. Quais são as classes de deidades? Vasu, Rudra, Āditya. Existem ashta [oito] Vasu-s, existem ekadasha [onze] Rudra-s, existem dwadasha [doze] Āditya-s, além de Indra e Prajāpati. Portanto, isso equivale a 33: 8 Vasu-s + 11 Rudra-s + 12 Āditya-s + Indra + Prajapati. Esse é todo o clã das deidades. Elas são 33, mas seus poderes são elevados aproximadamente à “n” [potência], por isso, o predicado de 33: 330 milhões.
Koti é uma palavra em sânscrito para expressar quantum. E o quantum [dessas deidades] é bastante. Assim como quando dizemos que alguém é igual a dez seres humanos. Isso significa que a pessoa é tão forte, tão grande e tão poderosa que ela é igual a duas, três, ou mesmo dez pessoas. Da mesma forma, esses deuses são iguais a crore. Crore [é uma unidade da numeração indiana] que significa 10 milhões. Por isso, são 330 milhões.
Como eles se manifestam na nossa corporalidade? O modo como eles são na morada deles não é o modo como eles são dentro de nós. A maneira como eu sou na minha casa é diferente da maneira que eu me manifesto na sua casa sendo seu convidado. Você espera que eu seja mais decente quando sou um convidado, então eu me manifesto de forma diferente. Enquanto eu estiver na sua casa eu não posso agir da mesma forma como quando estou na minha própria casa. Será uma falta de etiqueta. Você não vai gostar, ninguém vai gostar. Isso não será apreciado de forma alguma.
Do mesmo modo, a maneira como os deuses se manifestam na nossa corporalidade, a maneira como entram em nós, o seu funcionamento é diferente. O que eles fazem nos céus é uma coisa, o que eles fazem dentro de nós é outra coisa. Eles nos gerenciam. Tal como você é diferente quando trabalha no seu escritório e quando volta pra casa. Você se manifesta de forma diferente. Você tem uma função no escritório diferente da que tem em casa. Assim, os deuses têm certas funções quando estão nos céus, em suas moradas, e outras funções quando estão dentro de nós. Eles têm uma função diferente, uma manifestação diferente, um propósito diferente… Por isso, é ādhidaivik, ādhi daivik.
Dimensão “ādhyātmika”
E de forma similar, esse ātman. Esse ātman é imortal, sem nascimento, sem morte. Leia sobre o ātman, a maravilha que vem no segundo capítulo da Bhagavad Gītā. Não me deixe repetir isso. Ele não pode ser molhado, não tem fome, não tem sede, não nasce, não morre, não se decompõe.
[Armas não o podem ferir; o fogo não o pode consumir; a água não o pode embeber; o vento não o pode arrebatar! O ātman é inquebrável e indissolúvel. Ele tudo permeia, sempre sereno e imperturbável; eternamente o mesmo.
BG II.23-24]
Assim é a entidade metafísica. Mas quando ela vem dentro de nós, ficamos com fome, com sede, queremos dormir, trabalhar… O ātman é um não-fazedor. O ātman não faz nada, não precisa de nada. Essa é a sua forma. Ele não faz, não precisa, não nasce, não tem mutações, não morre. Mas, quando o ātman vem dentro de nós, todos esses atributos vêm junto. Dizemos: “Eu estou com fome; eu estou com sede; eu estou com sono”. O “Eu” essencial não tem nada disso, mas quando ātman entra em nós, como ele se manifesta? Como é isso? Como ele parece se manifestar? É por isso que é chamado ādhyātmik.
Adhyātma sādhanā
Portanto, estes são termos muito, muito, muito adequados, usados pela filosofia e se você quiser compreender um pouco mais, consulte o capítulo oito da Bhagavad Gītā, onde o Senhor Kṛṣṇa começa a explicar ādhidaivik, ādhibhautik, ādhyātmik. Isso está logo no início. Estou abrindo, delineando para você. No momento em que todos esses elementos externos, essas divindades celestiais e a alma metafísica entram nesta corporalidade, eles recebem este prefixo“adhi”: ādhyātmik, ādhibhautik, ādhidaivik.
É um conceito muito fascinante no pensamento e na filosofia oriental. Precisamos atender às divindades que entraram na nossa corporalidade. Quando um hóspede chega à sua casa, todo o funcionamento da casa é diferente, porque você quer entreter o hóspede, cuidar do hóspede. O que você faz? A dinâmica da casa não é diferente quando você tem convidados? Assim, quando as divindades, os elementos, ātman entram, certas coisas precisam ser feitas. Nós não as fazemos, mas adhyātma sādhanā [a prática de adhyātma] nos faz realizar tudo isso. Cuidamos de todas essas divindades dentro de nós. A Bhagavad Gītā diz que as divindades precisam ser nutridas e, então, elas nos nutrirão. Devemos nutrir as divindades e elas nos nutrirão. Devemos ser mutuamente benfeitores e beneficiários uns dos outros. Devemos servir uns aos outros mutuamente.
É por isso que as divindades estão dentro de nós. Elas estão nos servindo. É por isso que cada órgão é uma maravilha, a maneira como eles funcionam se dá graças a todas as divindades. O que estamos fazendo por eles? Podemos fazer algo pelo nosso fígado, coração e bexiga, mas não fazemos nada por aqueles que os estão dirigindo. Eles são todos indriya-s, como eu disse ontem. Isso significa que eles são semideuses e que nós não nos importamos com eles, não os atendemos, não os nutrimos — não é assim que funciona na espiritualidade, ou adhyātma. Dhyāna se encarrega disso.
Você pode não ficar fascinado por tomar o nome do Senhor e da Divindade, mas algo dentro de você anseia por isso e, então, você o faz. E há deidades que querem que seu nome seja pronunciado. Todas essas deidades não podem se contrapor à Divindade. Elas existem para servir às divindades e todas elas são amadas pela Divindade. A Divindade ama e é amada por essas deidades. Portanto, mesmo que tomar o nome de Rāma, Kṛṣṇa, Govinda realmente não te ajude, você o faz porque o que está dentro de você anseia por esse nome, anseia por esse nāma. Então, você o fará para que o que está dentro de você encontre a felicidade.
Por exemplo, você tem um convidado ou hóspede na sua casa e quer agradá-lo. Pode ser que você traga algo para a sua casa que você não gosta, algo que nem mesmo teria, mas que quer oferecer ao seu hóspede para deixá-lo feliz. Você não compra para você, você nem liga para isso. Mas, uma vez que você sabe que ele gosta, você traz para sua casa e oferece a ele. O hóspede fica feliz. E você quer vê-lo feliz.
Da mesma forma, esses seres celestiais estão aí. Os aspectos “ādhibhautikos” estão aí. Os aspectos “ādhyātmikos” estão aí. Os aspectos “ādhidaivikos” estão aí. Não se supõe que devemos cuidá-los? Afinal, são eles que administram todo o espetáculo da nossa vida. Se eles não funcionarem, o que acontecerá conosco? Nossa existência será descartada num sepultamento ou cremação. Enquanto eles existirem, tudo dentro de nós funcionará.
Assim, adhyātma tem um esquema para que eles sejam atendidos, para que eles sejam cuidados, cultivados e nutridos. E para esse propósito há dhyāna e dhyāna fará tudo isso para os aspectos “ādhyātmikos”, “ādhibhautikos” e “ādhidaivikos”. Daí japa, nāma, dhyāna ou dhyāna na forma de processo de pensamento, pensamentos nobres….
Você sabe, pensamentos nobres podem não te compensar com nada, mas pensamentos nobres certamente vão compensar as deidades que residem dentro de você. Elas ficarão felizes com seus pensamentos nobres, muito mais do que você. Talvez você não fique feliz, mas os pensamentos nobres que caem nos seus ouvidos… como uma pessoa profana que não queira ouvir os evangelhos, mas ela não pode evitar, os ouvidos estão abertos. Você não pode tampar seus ouvidos. Você ouvirá se alguém lhe estiver pregando um evangelho. Há algo nos ouvidos que realmente deseja isso e, então, isso lhe será dado.
Quer você queira, quer você goste ou não, há certas coisas que devem ser feitas. E há um esquema maravilhoso, que não o antagoniza de forma nenhuma, no qual todas elas serão providas. Esse é o esquema de adhyātma: processo de pensamento, processo de pensamento nobre, processo de pensamento sublime, processo de pensamento etéreo, processo de pensamento transcendente… Todos eles, todos os aspectos “ādhyātmikos”, “ādhidaivikos”, “ādhibhautikos” ficarão encantados. Não deveríamos agradá-los?
É por causa da presença deles em nós que existimos. Se eles deixarem a corporalidade, nós morreremos na mesma hora. Então, em algum lugar, temos que compreender como existimos e o que é a nossa existência. Adhyātma nos explica da melhor maneira possível e, por isso, dhyāna é aí considerado. Dhyāna não é necessariamente um ato meditativo, porque, para a maioria de nós, isso está além das nossas qualificações; não precisamos nos preocupar com isso.
Busquei dar-lhes informações básicas sobre a sabedoria ancestral e como ela se encontra no esquema do yoga, considerando os aspectos “ādhibhautikos”, “ādhidaivikos” e “ādhyātmikos” dentro de nós, compreendendo-os e cuidando deles. O yoga cuida disso, contanto que você embarque no yoga clássico, não no yoga da moda, não no yoga moderno, ultramoderno, que é apenas para o corpo, o bem-estar aqui e agora — isso é pseudo yoga. É por isso que nós estamos buscando nos educar em yoga.
Conhecer nossa corporalidade é uma grande maravilha. Mas, em uma sessão eu não posso delinear muito mais sobre isso. Por isso eu disse para que você olhe na Bhagavad Gītā e procure entender os aspectos “ādhibhautikos”, “ādhidaivikos”, “ādhyātmikos”, e a contribuição única da Bhagavad Gītā, adhiyajña, a própria divindade. A presença da divindade dentro de nós é chamada de adhiyajña.
A divindade está presente em toda parte, é onipresente e onisciente, mas como a divindade está dentro de nós? Ele se manifesta de maneira diferente dentro de nós. Como, por exemplo, pode haver um imperador, um imperador global, no qual todo o planeta é dele. Se você colocar o neto dele no próprio colo, ele não se comportará como um imperador. Como ele se comportará? Como um avô do neto. Como a divindade permanece dentro de nós? Ele não permance como uma entidade onipotente e onipresente. Ela se manifesta de forma diferente. Como no caso do imperador, o neto poderá dizer: “Quero montar nas suas costas. Por favor, ajoelhe-se no chão que eu quero subir nas suas costas”. Embora seja um imperador, ele se ajoelhará para que a criança monte sobre ele. O imperador não faria isso por outras pessoas, mas ele faz isso pelo seu neto, porque na configuração da sua família, ele é de um modo diferente, embora seja um imperador global.
Da mesma forma, quando essa entidade onipotente e onipresente entra em nós, é uma manifestação diferente que você deve apreciar. É assim que a divindade também é cuidada e considerada no adhyātma.
Isso é o suficiente para a sessão de hoje. Muito obrigado pela sua paciência. Namaskar!
(1) Sāṃkhya sūtra-s de Kapila, 5.116